O milagre de São Brás protetor da garganta. Crônicas Católicas.

O grito da mãe saiu com o dobro da força, como se a voz sufocada da criança se unisse à dela para transmitir o pedido de socorro que a pobrezinha não podia dar. Os dois minutos que passaram desde que sua garganta trancou pareceram horas. Não conseguiu emitir nenhum som. Sua mãe estava de costas, no mesmo cômodo, sem ter ideia do terror que o filho passava, com a dor lacerante e o ar que não vinha. Os bracinhos desesperados se agitaram e derrubaram tudo que havia na mesa com violência… foi aí que a mãe se virou e gritou.

O pai, que estava lá fora consertando a cerca, deixou cair as ferramentas e correu em direção ao estridente chamado. Sem perder tempo, virou o garoto de bruços e deu alguns tapinhas em suas costas. A enorme espinha de peixe se moveu alguns poucos milímetros no esôfago da criança, causando uma agulhada extra de dor, mas deixando um fiozinho de ar passar, o que a fez recuperar um pouco de sua cor natural.

– Ele está respirando? – Perguntou a mãe em prantos.

– Com muita dificuldade… dá para sentir as pontas da espinha em seu pescoço. Precisamos de um médico ou ela vai morrer! – o pai examinava a criança, usando as mãos ásperas e calejadas da forma mais gentil que conseguia.

– Não há médicos a quilômetros daqui… – a mãe tentou buscar uma solução do fundo de sua mente, que não demorou a chegar – o Bispo… ele era médico antes de entrar para a vida religiosa.

Por um momento o pai quis muito dizer não àquela ideia. Não podiam ir até o Bispo Brás com todos os guardas do governador de Sebaste procurando os cristãos. Dois de seus amigos já haviam sido presos e não se teve mais notícias deles. Mas esse pensamento só durou um segundo. O rosto angustiado do pequeno menino, que estava quase perdendo os sentidos pela falta de ar, não deu margem para dúvidas. Precisavam salvá-lo. Se acabassem presos no processo, isso agora pouco importava.

O Bispo Brás tinha fama de ser um homem santo, cujas orações eram atendidas e milagres aconteciam ao seu redor. O pai não acreditava nelas tanto quanto a mãe, achava toda a conversa sobre o Bispo muito fantasiosa, mas agora estava esperando que fossem reais e pedia silenciosamente a Deus por isso. Uma coisa não dava para negar… havia muitas estranhezas quando se tratava do Bispo, e agora, duas delas apareciam para recepcioná-los.

O casal chegou à pequena igreja, que nada mais era do que uma casa simples, construída pelo próprio Bispo na encosta da gruta em que ele havia se retirado para oração por alguns anos. Ao se aproximarem, dois leões saíram da mata e foram de encontro a eles. O homem, que carregava a criança no colo, travou de medo, mas a mulher colocou a mão em seu ombro e o acalmou.

– Está tudo bem… eles vivem aqui. Há vários tipos de feras que vem morar junto com o Bispo e agem como animais de estimação – enquanto a mulher falava, um dos leões esfregou a cabeça nela amistosamente, como um gatinho.

– Nossos problemas são outros – o pai ficou com mais medo ainda do que viu na igreja: as portas estavam destruídas e o lugar todo revirado por dentro – eles levaram o Bispo… o que vamos fazer agora?

O leão que pedia carinho, após o cumprimento inicial, mordeu as vestes da mãe e começou a puxá-la. Estava tentando mostrar alguma coisa. Seguiram até a estrada próxima ao lago e ouviram choro e agitação. Algumas mulheres protestavam diante de dois soldados armados, enquanto estes arrastavam o Bispo acorrentado, ignorando-as. Brás estava com a roupa toda surrada, cheia de marcas de sangue, e era possível ver alguns hematomas em seu rosto.

O menino, no colo, com os lábios arroxeados, gemeu mais uma vez tentando puxar o ar para os pulmões, mas já não tinha mais forças. Não havia mais tempo.

O pai pensou se seria possível mandar os leões para atacarem os soldados, mas, assim como surgiram, as feras haviam sumido. Ele mesmo teria que ser o leão.

– Você disse que aquele é um homem de Deus – o marido falou entregando o filho nos braços da esposa.

– Sim.

– Vá até ele, vou te dar alguns minutos.

Apanhando algumas pedras no chão, o homem correu até os soldados e começou a atingi-los. Furiosos, eles soltaram o prisioneiro – que não conseguiria fugir para muito longe mesmo – e correram atrás do homem. O pai sabia que isso significava morte certa para ele, mas talvez o filho tivesse alguma chance de ser curado.

Enquanto o marido era imobilizado e apanhava dos soldados, a mãe chegou até o Bispo com a criança desfalecida, implorando por socorro. O velho mostrou as mãos acorrentadas: não havia nada que poderia fazer como médico…, mas sabia que àquela altura não era mais isso que aqueles pais estavam procurando. Ele ergueu os olhos aos céus e implorou para que Deus ouvisse o clamor dos pais, e notasse a fé, o amor e o sacrifício que os levaram até ali. Então fez o sinal da cruz sobre a garganta da criança.

Com um suspiro profundo, o menino encheu o peito de ar, depois abriu os olhos, levantou-se e abraçou sua mãe. A espinha de peixe não estava mais lá.

Um dos soldados viu o milagre e segurou o braço do companheiro, antes que este desferisse um golpe mortal no pai da criança.

– Deixa ele ir, temos um trabalho para terminar.

Os pais levaram seu filho para casa, com sua alegria superando qualquer dor física. E os soldados levaram o Bispo para a presença do governador, onde cumpriria seu martírio. Ambas as partes dando grande testemunho da Graça Divina, que ecoa até os dias de hoje.